Da Tempestade à Utopia
Roberto Camilo Órfão Morais
Há um ano caminhávamos nos corredores da escola, mergulhados no cotidiano do Instituto Federal. Ao som da melodia educacional das aulas, na efervescência dos debates pedagógicos, sentíamos a plenitude de nossas vidas, executando planos e projetos. Porém, no dia 18 de março/2020, o Campus foi tomado por um silêncio ensurdecedor e, nos vimos assustados; mas, com a crença de que, em três ou quatro meses estaríamos de volta em nossas atividades presenciais. Ledo engano!
Com a tempestade que se formou em nosso redor, naqueles dias ouvimos diretamente de Roma (urbi et orbi), as palavras proféticas do Papa Francisco, num paradoxo da praça de São Pedro: vazia, sob o olhar de toda humanidade (a praça nunca esteve tão cheia): “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades”. Tivemos assim, professores e estudantes, no meio da tormenta, que nos reinventar diante da tela de um computador e, resistir aos limites afetivos da conexão.
Pela primeira vez na história um vírus ataca o planeta por inteiro, levando milhares à morte, sendo no Brasil mais de 260 mil vítimas fatais. A verdade é que todo modelo de desenvolvimento da Modernidade entrou em crise, tendo como consequências as frequentes mudanças climáticas, a pandemia, o aprofundamento da desigualdade social; é a chamada vingança de Gaia…
Não há como ficarmos indiferentes a essa crise, utilizando-se de um negacionismo; caso contrário, iremos vivenciar, como citou Leonardo Boff em artigo, as duras palavras de Sigmund Bauman: “engrossaremos o cortejo daqueles que rumam na direção de sua própria sepultura”.
Diante desta tribulação, observa-se diferentes atitudes: fugir para o passado com um discurso saudosista, utilizando-se de valores arcaicos, criando uma atmosfera de preconceito e discriminação; fugir para dentro de nós mesmos, fortalecendo o individualismo, que resulta em egoísmo e indiferença; fugir para o futuro, em um messianismo, que joga para um possível amanhã o que deveria ser enfrentado no agora. Tais posições na realidade não são soluções, mas protelações, travestidas em discursos de diferentes espectros ideológicos.
A mais fina sabedoria do Bem-Viver, sinaliza que devemos ver na crise as oportunidades e, formular a partir daí, uma resposta que incorpore as várias dimensões da vida. Desafio que, se coloca particularmente para nós mesmos, educadores, em ver a oportunidade em valorizar a ética do cuidado, com o ensino, com o outro, com a família e, com a nossa própria afetividade.
A história demonstra que não é o fim do mundo. É possível ultrapassar esse momento, utilizando a tolerância como tempero nas relações, que significa a capacidade de aceitar o diferente. Porém, não podemos compactuar com o confuso discurso que tenta jogar nas costas dos profissionais da educação, a responsabilidade de voltar ou não às aulas presenciais; abafando assim, os equívocos ocorridos em relação à gestão desta crise pandêmica; mas também, não podemos nos omitir em contribuir de forma segura, para elaboração de novos horizontes utópicos, como nos ensina Eduardo Galeano: “a Utopia nos leva de horizonte a horizonte, fazendo-nos caminhar”. Afinal, como proclama o poeta Thiago de Mello: “Faz escuro mas eu canto. Porque a manhã vai chegar”.