terça-feira, 19 de março de 2024

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“Contemplação no Tempo e na História”, por Roberto Camilo Órfão

“Contemplação no Tempo e na História”

Revisitar a obra de Thomas Merton, guiado pelo olhar atento e refinado do prof. Sibélius Cefas Pereira, em seu livro “Thomas Merton: Contemplação no Tempo e na História”, é algo inspirador! O livro originou-se da tese de doutorado do autor, como prefaciou o professor em Teologia, Faustino Teixeira (UFJF), “é uma das melhores introduções ao pensamento de Thomas Merton, publicadas no Brasil”.

Ao iniciar a leitura, vem à mente algumas questões: por que refletir sobre a Contemplação, tendo como referência um monge que viveu nos EUA, falecido em 1968? Por que pensar espiritualidade em um mundo inundado de informações? Por que refletir sobre mística, diante do “crepúsculo e obscuridade” do momento atual?

Partindo da afirmação de Merton que “O espírito do homem é um vácuo natural que espera pelo Espírito de Deus”, o autor do livro demonstra o amadurecimento operado na reflexão do monge Cisterciense ao longo de sua existência. Nos primeiros tempos de vida monástica, com uma posição de “negação do mundo” para uma visão de integração de todos os aspectos da vida, de compreensão de que a mística só pode ser uma experiência cotidiana, solidária e de aproximação.

Sibélius realiza um paralelo entre a reflexão de Lévinas, em seu apelo ético à alteridade (olhar a face do outro), com a mística de Merton, em ouvir o clamor, o sofrimento do outro, na solitude da contemplação. Com afirmação de Merton que, “Obedecer a Deus é corresponder a sua vontade, expressa na necessidade de outro ser humano, ou é, ao menos, respeitar os direitos alheios,” não é necessário esforço para ver a pertinência dessa reflexão em tempos atuais.

Apresenta através de citações o que Merton considera equívocos e verdades sobre contemplação: “não pretende ser, e não pode ser confundida com qualquer espécie de fuga da realidade (…). Contemplação não é pietismo, não é espiritualismo, não é êxtase” mas é sim: “abandono à vontade de Deus. Um esvaziar-se e um desapego.” Poética e profeticamente é: “viver, como o peixe na água”, viver simplesmente. Como esclarece Sibélius: “o verdadeiro poeta está sempre próximo do místico por causa da intuição profética (…), expressando assim, as dores dos homens, bem como o protesto contra os poderes mundanos”.

Diante da intolerância, observa-se no pensamento do Monge Cisterciense o ‘Diálogo’, com a sociedade e a cultura, utilizando a literatura como ferramenta sapiencial. Na indiferença, encontra-se a compaixão, onde desapego não se confunde com insensibilidade. Frente ao barulho tem-se o silêncio, aproximando os homens que o ruído separa. No isolamento social, a oportunidade na ‘Solidão’, em desmascarar mitos e, “se manter plenamente acordado.” No meio ambiente em chamas, apresenta-se uma espiritualidade que resgata a ‘Sacralidade da Natureza’, inspirada em São Francisco de Assis, e nas figuras de vanguarda, como Thoreau e Teilhard Chardin – bem destacado pelo autor.

No decorrer da leitura percebe-se que Merton utiliza-se do paradoxo para refletir: “A contemplação não é visão, pois vê sem ver e conhece sem conhecer, onde é tocado por aquele que não tem mão”. Como indica Sibélius, é na dialética que se vive a espiritualidade: “(…) em Merton a oposição transcendência/imanência é um falso dilema”. Pois que, Fernando Pessoa, escreve: “A realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus”.

O livro apresenta, entre muitos ensinamentos de Thomas Merton, o estar abertos ao mundo, sem cair no secularismo; pois, faz-se necessária a mantença da “seriedade profética.” Eis o desafio que perpassa toda leitura, ou seja, o de “captar o mistério no coração da realidade”. O livro é um convite para alteridade e, intima para o rompimento com o “desgaste da compaixão” no tempo e na história contemporânea!

Roberto Camilo Órfão Morais