segunda-feira, 25 de novembro de 2024

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Artigo: “Os efeitos do uso de crack na saúde mental”

Artigo: “Os efeitos do uso de crack na saúde mental”
Dr. Antônio Geraldo da Silva

Artigo: “Os efeitos do uso de crack na saúde mental”

Nas últimas três décadas, o Brasil tem enfrentado um desafio muito grande em relação ao consumo de drogas, com destaque para a cocaína, crack e maconha. Essas substâncias se tornaram não apenas um problema de saúde pública, mas também social, com a proliferação das chamadas zonas livres para o uso de crack, especialmente em grandes metrópoles.

Conhecidas como estimulantes de ação muito rápida que causam desejo de querer usar mais, tanto a cocaína quanto o crack exercem um impacto devastador no sistema nervoso central, levando à dependência e a uma série de consequências adversas para a saúde física e mental dos usuários. O uso crônico dessas substâncias pode resultar em maior sensibilidade ou tolerância a seus efeitos, com a tolerância sendo mais comumente associada ao uso frequente e prolongado, muitas vezes em doses elevadas.

Os efeitos psiquiátricos do uso crônico dessas drogas são variados e graves. Os usuários frequentes podem desenvolver sintomas como humor irritável, crises de pânico, distúrbios do sono e alterações psicomotoras. Sintomas psicóticos podem estar presentes em até 80% dos usuários, principalmente delírios persecutórios/paranoias e alucinações. Além disso, há evidências de alterações neurocognitivas, incluindo prejuízos na função executiva, atenção e memória, que podem persistir mesmo após a interrupção do uso.

Percebemos nos últimos anos que os usuários dessas drogas estão iniciando o consumo cada vez mais cedo e o seu uso pode estar associado a outras substâncias como o álcool e maconha. O uso dessas substâncias pode levar a quadros psiquiátricos graves, como ansiedade, depressão, psicose e até mesmo suicídio.

Os efeitos do uso de crack, por exemplo, em mulheres pode ser diferente fisiologicamente, por conta da fase em que ela se encontra no ciclo menstrual, em alguns momentos o uso da droga pode causar sensação de prazer mais acentuada. E a sensação de prazer aumenta o desejo de usar ainda mais essa droga, causando dependência.

Muitas mulheres relatam enfrentar diversos problemas em ambientes como a cracolândia, incluindo agressão física, abuso sexual, gravidez indesejada, etc. As mulheres que engravidaram nessas condições, nem sempre conseguem chegar até o final da gestação, por falta de pré-natal adequado ou porque sofreram aborto espontâneo.

Isso porque o uso, principalmente, de crack durante a gravidez apresenta uma série de riscos tanto para a mãe quanto para o bebê. O consumo da droga pode aumentar o risco de aborto espontâneo, parto prematuro e baixo peso ao nascer. Além disso, o crack pode causar danos ao desenvolvimento fetal, resultando em problemas cognitivos e comportamentais para a criança. A médio e longo prazo, pode comprometer o processo de aprendizagem da criança quando ela estiver em idade escolar.

Vemos casos de pessoas que somem e acabam se isolando e perdendo o suporte familiar. Além disso, os filhos de mulheres que usam crack estão em maior risco de negligência, abuso sexual e vivem em uma constante instabilidade familiar. Em muitos casos, a mãe acaba perdendo a guarda do bebê para um familiar ou precisa entregar para adoção.

A dependência química é uma doença complexa que afeta não apenas o indivíduo que a vive, mas também aqueles que estão ao seu redor. As consequências dessa condição vão muito além dos danos físicos, estendendo-se para o âmbito da saúde mental e impactando significativamente as relações familiares e sociais.

A perda de controle sobre o uso da droga leva a um ciclo vicioso de culpa, vergonha e desespero, perpetuando ainda mais o problema e agravando os sintomas de saúde mental. A falta de suporte adequado e o duplo estigma associado ao próprio auto estigma e à dependência química muitas vezes impedem que o dependente busque ajuda, prolongando o sofrimento e aumentando o risco de complicações.

Os efeitos da dependência química se estendem além do indivíduo afetado, impactando também seus familiares e pessoas próximas. O convívio com um dependente pode ser extremamente estressante e desgastante emocionalmente. Familiares muitas vezes se sentem impotentes e culpados, questionando o que poderiam ter feito para evitar a situação.

A dinâmica familiar é profundamente afetada, com relações marcadas por conflitos e quebra de confiança. Muitas vezes, familiares acabam se isolando socialmente e negligenciando sua própria saúde mental em função da preocupação constante com o dependente. O medo de perder o ente querido para as drogas é uma fonte constante de angústia e ansiedade, vivendo um estresse eterno.

Outro aspecto pouco falado é que as pessoas próximas podem também acabar sendo levadas a experimentar drogas por terem um exemplo na família. Seja por curiosidade, porque lhe foi oferecido por um terceiro ou até mesmo pelo próprio familiar.

Apesar dos esforços para abordar o problema do uso de drogas, os desafios persistem, com a necessidade urgente de políticas públicas abrangentes que repensem a oferta e a demanda dessas substâncias. Por isso é importante dificultar o acesso e não facilitar a proliferação de pontos de venda de drogas. Não existe quantidade segura de droga para consumo. Qualquer quantidade de droga pode se tornar um vício e causar dependência.

É importante que seja oferecido suporte adequado para a promoção de saúde, prevenção de doenças, tratamento e reintegração psicossocial dos usuários e pacientes. Também é importante pensarmos em campanhas que mostrem os riscos e os impactos negativos que as drogas possuem. Precisamos educar nossas crianças a não usarem drogas e não incentivá-las a experimentar. Por isso, brincadeiras como oferecer bebida para uma criança provar não é adequado e pode causar prejuízos a longo prazo.

É fundamental que a sociedade como um todo esteja engajada nesse processo, reconhecendo a complexidade do problema e trabalhando em conjunto para encontrar soluções que tenham eficiência e efetividade. É fundamental combater o duplo estigma associado à dependência química e promover o acesso a serviços de saúde, com assistência multiprofissional com psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, etc e tratamento especializado, que é de altíssima complexidade. A ciência aliada a humanidade e a família darão melhores resultados.

*Dr. Antônio Geraldo da Silva é médico psiquiatra, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e Diretor Clínico do IPAGE – Instituto de Psiquiatria Antônio Geraldo. É Coordenador Nacional da Campanha “Setembro Amarelo”, da Campanha ABP/CFM Contra o Bullying e o Cyberbullying e da Campanha de Combate à Psicofobia.

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Fonte: Nacional