A banalidade do mal ou a normalidade do bem
Aproveitando os dias de férias, estou relendo o livro Eichmann em Jerusalém- Um Relato Sobre A Banalidade do Mal, da filosofa judia/alemã Hannah Arendt. Trata se de uma reflexão sobre o julgamento de Adolf Eichmann, o oficial nazista que organizava o transporte dos judeus para os campos de extermínio.
Como correspondente da revista New Yorker, Hannah Arendt assistiu ao julgamento e publicou o livro que escandalizou muita gente. Ao contrário do que dizia a opinião pública, que o classificava como uma espécie de cérebro monstruoso do mal, ela afirma: “Eichmann era um homenzinho insignificante e medíocre, cuja única característica notável era não pensar e não dar o menor sinal de uma autêntica personalidade própria, nem de direita, nem de esquerda e não estar ligando para o bem ou para o mal”. E prossegue a autora: “quanto mais se ouvia Eichmann, mais óbvio ficava sua incapacidade de pensar”. Portanto, Adolfo Eichmann, por não se dar ao trabalho de pensar, cometeu um genocídio e se tornou responsável pelo sofrimento e pela morte de milhões de pessoas.
Não precisamos fazer grande esforço intelectual para percebermos a pertinência da reflexão de Hannah Arendt, em nossos dias. Tempos dominados por uma onda de ódio e imbecilidade nas redes sociais, como nos explicou o escritor e filosofo italiano, Humberto Eco.
Essa semana tivemos um claro exemplo da Banalidade do Mal, com o episódio, de despejo de 450 famílias de sem terras no município de Campo do Meio. Sem entrar no mérito da discussão sobre a titularidade dessas terras, o que nos causa indignação é a realização de um despejo em plena Pandemia. É a incapacidade de se colocar no lugar do outro, é a total ausência de empatia.
Em uma só atitude, desperdiçou-se recursos públicos em uma operação, expôs famílias em situação de risco, violência e colocou policiais militares em uma situação de constrangimento descabido. Infelizmente estamos respirando uma atmosfera de mediocridade e fake news, tendo como resultado a prática da “Cultura da indiferença”.
Outro exemplo da semana é a atitude do Ministro da Economia, Paulo Guedes, que enviou ao Congresso Nacional sua proposta de Reforma Tributária que, entre outras medidas, prevê o retorno da cobrança de contribuição tributária em cima de livros, prejudicando o já combalido mercado editorial brasileiro. É o projeto político do não pensar!
Mas como tudo na vida é intenso, essa semana tivemos a Páscoa do Bispo Pedro Casaldaliga, que em sua opção e coerência de vida nos ensinou: “quanto mais difícil são os tempos, mais forte deve ser a Esperança”, pois em nossos dias “Ter Esperança é um ato de rebeldia”. Fico aqui meditando as palavras do Cardeal e poeta português José Tolentino: “o pecado é a banalidade do mal. A santidade é a normalidade do bem”. Busquemos, portanto, a normalidade do bem, sem perder jamais nossa capacidade de pensar, afinal como dizia Sócrates: “uma vida não examinada não vale à pena ser vivida”. [Publicado no jornal FOLHA MACHADENSE, dia 15 de agosto de 2020.]
Roberto Camilo Órfão de Morais