Em Machado, foram incinerados livros e papéis sobre registros de escravos, em abril de 1895. Houve procissão pelas ruas da cidade e sessão solene na Câmara de Vereadores
Nesta semana em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra e que pela primeira vez, desde que a data foi instituída por reivindicação de representantes da comunidade negra local, o poder público oficializa o feriado municipal de 20 de Novembro, nada mais autêntico do que trazer à memória do povo machadense o triste episódio de que aqui também, por decisão do ato de Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, foram destruídos em 1895, praticamente todos os documentos que registravam a história dos escravos no município.
Quem nos traz essa lembrança de forma muito clara, além de outros historiadores machadenses que também já trataram do assunto, é o saudoso juiz e desembargador Ricardo Moreira Rebello, em seu livro O Município do Machado até a Virada do Milênio, Tomo 2, página 910, no capítulo em que trata da escravidão em Machado. “Os dados sobre a população escrava são esparsos e nem sempre seguros.
Vale lembrar que grande parte dos documentos a ela relativos foi destruída no início da República, por determinação do Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, temeroso de que os senhores acionassem o Governo por indenização. Em Machado, como noticiou o “Sexto Districto” nº 12, isso ocorreu no dia 21 de abril de 1895. Após a reunião do Partido Republicano Constitucional formou-se uma procissão cívica, que percorreu diversas ruas e terminou no Paço da Câmara. Lá, depois de incinerados os livros e demais papéis do elemento servil, houve sessão solene, presidida pelo Tenente Coronel Santos Silva.” Segundo ainda Rebello, sobraram apenas quatro livros que tratam de transações de escravos e óbitos de escravos. Estão guardados no Arquivo Público Machadense, na Casa da Cultura.
Chama atenção na justificativa feita por Rui Barbosa para destruir os documentos que contavam a história dos escravos que sua preocupação não era com um possível e justo pedido de indenização por parte dos escravos, por tantos anos de trabalho forçado e maus tratos sofridos, mas com os “senhores” que os escravizaram e poderiam requerer indenização ao Estado por perder aquela força de trabalho, tão importante e gratuita. [Os escravos, na verdade, eram considerados bens contáveis, por serem comprados como bens materiais e ou animais].
Dois outros registros do livro do historiador Ricardo Moreira Rebello sobre a escravidão na região de Machado merecem destaque neste editorial – o número proporcionalmente maior de escravos no povoado de Machado, em relação aos demais distritos que pertenciam a Alfenas, em 1872 e o caso da Fazenda São Diogo, na região de Douradinho, onde negros receberam por doação uma expressiva quantidade de terra, como reconhecimento por anos de trabalho escravo.
Na página 911, do referido livro, Rebello traz dados censitários importantes que explicam por que Machado se destaca no sul de Minas pela sua expressiva população negra. Pelo recenseamento de 1872, a população de algumas das freguesias (paróquias) que compunham o município de Alfenas apresentou os seguintes números: Paróquia São José e Dores (sede)-Livres (homens e mulheres): 3.776; Escravos (homens e mulheres): 824. Sacra Família e Santo Antônio (Machado)-Livres: 2.677; Escravos: 1.273 (grifo nosso). Carmo da Escaramuça (Paraguaçu)-Livres: 2.317; Escravos: 453. Douradinho-Livres: 2.714; Escravos: 375. Conclui-se, portanto, que mesmo antes de ser emancipado, o que ocorreu em 1881, Machado já sobressaía entre os demais povoados da região pelo número elevado de pessoas escravizadas.
E, para finalizar este editorial em homenagem ao povo negro de Machado, é bom lembrar que nem todos que escravizaram foram injustos com seus servidores. Na região de Douradinho, no local conhecido como Pouca Massa, a proprietária da Fazenda São Diogo, senhora Marianna Barbara da Conceição, Baronesa da Varginha, como era conhecida, em 18 de julho de 1888 doou em testamento as terras, cerca de 560 alqueires, para seus ex-escravos.
Após a sua morte, muitos não ex-escravos se apossaram das terras indevidamente, inclusive o próprio viúvo da baronesa que “enganou os negros” ao fazer a entrega das terras, usando palavras do próprio Dr. Ricardo Rebello.
Nessa história mesmo, o importante é que muitos descendentes dos escravos daquela região, ainda hoje, vivem da terra que herdaram por recompensa da luta e do sofrimento a que foram submetidos seus ancestrais. A São Diogo é um reduto de negros e conserva importantes histórias.
A história do Brasil seria outra se o ato da Baronesa da Varginha tivesse sido repetido por tantos exploradores de escravos país à fora. Teríamos, certamente, um Brasil mais justo, com menos pobreza, menos fome e mais prosperidade. Por isso, há ainda muito que se fazer neste país, tão rico, tão poderoso, mas tão injusto. Que esse primeiro feriado em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra seja de comemoração e de muita reflexão e ações.
SALVE O DIA 20 DE NOVEMBRO!