sábado, 23 de novembro de 2024

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Roberto Camilo Órfão Morais - Folha Machadense 001
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“A VIDA É BELA”! A sociedade em crise e a busca pela espiritualidade

A vida é bela!!!

Roberto Camilo Órfão Morais

A história nos revela que quando a sociedade entra em crise, ocorre a procura pela espiritualidade, pois ela é fonte de sentido em nossas vidas. Neste itinerário, costuma-se buscar referências com o objetivo de guiar a plenitude existencial, em um processo de encontro com o ‘definitivo’.

Em minhas leituras, sobre este tema, me deparei com o Diário da Mística, de Etty Hillesum (Uma vida interrompida), algo comovente, que em vários momentos me fez rezar e mergulhar em meditação.

Esther(Etty) nasceu em 1914 em Middelburg, Zelândia (Países Baixos), em uma família judia, não praticante. Começou seus estudos de Direito em Amsterdã, onde também vivia com seus dois irmãos.  Jovem e mergulhada em conflitos internos, inicia terapia com o psicoquirólogo, Julius Spier, com quem teve uma ligação amorosa. Spier aconselhou-a a realizar leituras, como a Bíblia, Santo Agostinho, Tomás de Kempis e a orientou a escrever um diário, que teve início em março de 1941, aos 27 anos. Organiza sua vida interior e tem seu encontro com o Absoluto: “Deus, toma-me em tuas mãos, irei obediente, sem muita resistência” Diário,120).

Com o avanço nazista contra os Judeus, na Holanda, Etty viu seu povo ser conduzido para o Holocausto, fazendo-a, inclusive, prisioneira no campo de concentração em Westerbork: uma espécie de sala de espera para solução final, em Auschwitz, Polônia.

Para o Cardeal José Tolentino Mendonça, a conversão de Etty, sua mudança de razão de ser, desenvolveu-se em três encontros definitivos: o primeiro tem o nome de uma pessoa, Julius Spier; o segundo tem o nome de um lugar, Westerbork; o terceiro não tem nome: é o encontro com o próprio inominável.

O Papa Bento XVI, referiu-se a Etty Hillesum como uma jovem frágil e insatisfeita, transfigurada pela fé e que transforma-se numa mulher cheia de amor e de paz interior, capaz de afirmar: “Vivo constantemente em intimidade com Deus”. (Diário, 262).

A santidade de Etty, como afirma o teólogo Faustino Teixeira, tem traço da secularidade, onde a porta para o Castelo Interior foi sua própria vida: “Dentro de mim existe um poço muito profundo. E, naquele poço está Deus. Às vezes, consigo alcançá-lo, mas, na maioria das vezes, está coberto por pedras e areia: então Deus está sepultado. É necessário que eu o volte a desenterrar”. (Diário, 85).

Etty viveu uma mística de olhos abertos, mesmo passando por uma situação de sofrimento extremo em um campo de concentração. Foi capaz de reconhecer a beleza da criação e a presença do seu Criador: “quero dizer que há lugar para belos sonhos junto a mais cruel realidade – e, continuo a louvar tua criação, Deus – apesar de tudo”. (Diário,178).

A trajetória espiritual de Etty Hillesum é marcada pelo seu mantra: “A vida é Bela e cheia de sentido”, demonstrando assim uma extraordinária capacidade de resistir às vicissitudes da vida e uma euforia amorosa, em relação à existência humana.

A garota que não sabia se ajoelhar e que aprendeu a fazê-lo tem seu encontro com a misericórdia, onde não há espaço para o ódio e para ressentimentos, mesmo em relação aos algozes de seu povo: “Não há fronteiras entre as pessoas que sofrem. Sofre-se de ambos os lados, de todas as fronteiras; e, é preciso rezar por todos! (Diário, 222).

Em setembro de 1943, Etty Hillesum juntamente com seus pais e irmãos foi levada de trem para Auschwitiz. Possivelmente seus pais morreram ainda durante a viagem de três dias. Etty morreu em Auschwitz, em 30 de novembro de 1943, aos 29 anos.

Nos últimos registros em seu Diário afirma: “Parti meu corpo como pão e o dividi entre os homens”. (Diário,362). Esta sublime mística, nos deixa um exemplo de encantamento com a vida, de encontro com Deus e de um fraterno abraço à humanidade.

Partiu cantando, levada pelo trem da morte, porém, deixando registrado seu êxtase espiritual de Amor: “Gostaria de ser um bálsamo para tantas dores”. (Diário,363).